Cuidando Dos Nossos Líderes

Será que as ovelhas percebem a pressão e o peso que exercem sobre seus líderes ao exigir a perfeição destes? Será que pastores e líderes percebem que a falta de transparência quanto à suas dificuldades alimentam o mito de “ser perfeito”?

Para falar sobre o assunto, o Instituto Jetro entrevistou a psicóloga cristã Esly Carvalho.

Instituto Jetro – Em sua opinião, pensando na Igreja como um “hospital” das almas, ela tem sido apenas um hospital para curar as ovelhas, esquecendo que líderes também precisam de cura?

Esly- Os nossos líderes cristãos requerem mais dos nossos cuidados espirituais. Em geral, a nossa tendência é de pensar que os nossos guias são “intocáveis” e meio “primos-irmãos” da perfeição. Por alguma razão pensamos que eles já alcançaram certa maturidade cristã e que estão “vacinados” contra o pecado, a queda moral ou coisas deste tipo. Consideramos que eles são muito “maduros” no Senhor e por isso, já não se encontram expostos às tentações com as quais nós, os “mortais” nos deparamos. Devemos lembrar-nos de que o inimigo tem muita fúria na tentativa de fazer cair os nossos líderes, porque se eles caem, as ovelhas se dispersam. Então a questão não é o que fazer se um líder cair (porque eles caem), mas o que fazer por eles quando têm essas quedas. Em minha opinião, as ovelhas também são culpadas dessa crise de transparência da liderança, já que esperam um modelo perfeito e impossível, ignoram como lidar com os erros humanos dos seus líderes, com isso, impõem uma carga, algo que Deus jamais teve a intenção que tivessem.

 Instituto Jetro – Então, você acredita que a crise de transparência da liderança, deve-se mais às expectativas das ovelhas de um modelo perfeito e impossível, do que da falta de humildade dos pastores de admitir seus erros e dificuldades?

ESLY – Das duas. É importante que os líderes, inclusive mulheres, integrem um pequeno grupo no qual possam viver em transparência. Uma das grandes tentações da liderança é pensar que podemos dar conta das coisas sozinhos. “Não podemos”. Deus nos criou com a necessidade de comunhão e intimidade emocional com outras pessoas. Os homens devem fazer parte de um grupo de homens, e as mulheres, de um grupo de mulheres, nos quais podem abrir seus corações com transparência e confidência, sabendo que estamos sujeitos a tentações. Se sei que tenho de contar ao meu grupo o que estou enfrentando, isso me ajudará a frear na hora da tentação.  Isso exige muita maturidade e uma mudança em como as pessoas nas igrejas veem os seus líderes. Eu posso muito bem imaginar de onde vem a mentira de que a vida do líder tem de ser perfeita. Tem de ter filhos perfeitos, esposas perfeitas, sempre falar de forma perfeita, com sabedoria …

Por que nos tornamos líderes, deixamos de pecar? Não precisamos mais da confissão e do perdão? Claro que precisamos! Então, sejamos transparentes e verdadeiros, honestos. Nem tudo o que acontece precisa vir a público. Mas deve existir um grupo de duas a três pessoas ao meu redor, às quais tenho de prestar contas e viver em transparência – pessoas que podem orar por mim e me sustentar (e eu em relação a elas) para que não caiamos em tentação.

Instiuto Jetro – Como pode um cristão e líder enfrentar a tentação?

ESLY- Os bancos de nossas igrejas estão cheios de pessoas que sofrem. Muitas fazem em silêncio porque têm medo de falar de suas feridas e ser rejeitadas. Outras pensam que serão acusadas de “pecado oculto” se explicar as dificuldades por que passam. Outras receberam a instrução de orar mais, ler mais a Bíblia e confiar mais em Deus, e, como o seu problema não foi resolvido, pensam que assim é a vida do cristão: ele tem de “carregar a sua cruz”. Algumas querem ser santas “à força”, impondo uma santidade exterior, o que gera o mal do legalismo. Outras pensam que a santidade não é tão importante, que Deus as entende, sabe que são pecadoras e perdoa-lhes tudo; assim se desculpam pelos seus pecados. Nenhum desses extremos é recomendável.

Uma das principais razões pelas quais as pessoas não levam uma vida mais santa é porque não receberam cura emocional para as feridas do seu coração. Parece que a igreja aceita a saúde espiritual – a salvação pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo; também aceita a saúde física – por meio do médico ou pela cura divina; mas pouco se ouve falar da saúde do coração – a saúde emocional no contexto da santidade.

A falta de saúde do coração é um dos maiores obstáculos para o crescimento espiritual e a santidade do cristão. Quando Paulo disse que o que queria fazer não fazia e o que não queria fazer acabava fazendo, fez uma descrição perfeita do que vejo todos os dias em meu consultório. Informação não é suficiente. Se fosse, os sermões já teriam curado todo o nosso povo, porque excelentes informações são compartilhadas em muitas pregações. Mas a informação intelectual muda muito pouco a conduta. Não toca a parte do nosso cérebro responsável pela mudança de comportamento. E pouco toca nosso coração. Por isso sabemos de excelentes pregações e também de cristãos que continuam lutando com seus problemas emocionais.

 Instituto Jetro – Muitos líderes vêm de lares disfuncionais. A maioria das pessoas que abraçam profissões de ajuda (médicos, psicólogos, assistentes sociais, pastores) saíram de lares com problemas de alcoolismo, adultério, violência, divórcio, etc. Tendemos a repetir os modelos antigos. Como lidar com a expectativa de terem “família e filhos perfeitos”?

ESLY – Muitas pessoas afetam nossas vidas mais por condutas pecaminosas do que por condutas de amor e cura – talvez porque elas também tenham sido tratadas mais com pecado do que com santidade. Não é sem razão que a Bíblia nos diz que Deus visita os pecados dos pais nos filhos até à terceira e quarta gerações (Nm 14.18). Alguém que trabalha com aconselhamento logo descobre que as pessoas repetem o modelo de família o qual foram criadas. Se tiveram modelos bons e saudáveis, é isso o que aprenderão. Se foram criadas em uma família em que os padrões resultaram de pecado, então isso é o que absorverão: alcoolismo, violência, promiscuidade, infidelidade, adultério, ira, ansiedade, medo, depressão, legalismo, e por aí vai.

Repetimos o que aprendemos por atos e palavras (especialmente pelos exemplos). A boa notícia é que podemos romper com esses padrões. Não somos obrigados a viver e repetir fatalmente o que aprendemos. Mas, para isso, temos de investir vontade e esforço. Só pensar que não vamos repetir modelos não evita a repetição, já que a nossa conduta é muito mais que o fruto dos nossos pensamentos. Temos de buscar a cura para poder alcançá-la. Deus pode romper modelos passados, mas nós também temos de aprender novas maneiras, saudáveis e curadoras, de lidar com os nossos filhos.

Por um lado, às vezes não soubemos mesmo fazer o melhor. Tivemos modelos inadequados e, quem sabe, nos dedicamos tanto ao ministério que ignoramos as necessidades emocionais da família. Somente quando nossos filhos se desviam percebemos nosso pecado de omissão. Outras vezes, quem sabe, somos muito duros e legalistas, exigindo que nossos filhos se “encaixem” em nosso modelo imaginário. Esquecemos que eles são como todos os outros filhos: têm as mesmas necessidades físicas, emocionais e espirituais.

Por outro lado, às vezes fazemos o melhor que podemos e, ainda assim, nossos filhos não são esse “modelo perfeito”. É que Deus lhes deu o livre-arbítrio. Eles pecam por vontade própria. Apesar de tudo que ensinamos, do tempo que gastamos com eles em oração por seu bem-estar e proteção, às vezes eles escolhem outro caminho. Nosso coração se rompe em dor por suas decisões pecaminosas. Sofremos com as consequências do pecado nas suas vidas e às vezes na vida dos seus filhos, nossos netos.

Não há pais perfeitos. Devemos enfrentar as situações em que os nossos líderes estão lutando com filhos imperfeitos com a mesma graça que Deus nos oferece.

 Instituto Jetro – Quais seus conselhos de cuidado para nossos pastores e líderes?

ESLY – Os pastores e líderes devem evitar o esgotamento, eis algumas sugestões: 1. Inove sua vida devocional: escreva suas orações em vez de fazê-las em voz alta. Saia para caminhar e ore em voz alta enquanto caminha à sós, procure um companheiro de oração com quem possa compartilhar abertamente. 2. Reserve tempo para estar à sós. 3. Durma bastante e pratique atividade física. 4. Descanse e relaxe. Sem culpa. 5. “Preste contas” a outras pessoas. Peça a Deus que coloque em sua vida pessoas de confiança com quem possa compartilhar as cargas que o afligem, suas tentações e seus sonhos. 6. Pense de formas não usuais. Busque soluções criativas. Busque soluções, e não problemas. 7. Semanalmente, faça algo que nada tenha a ver com seu ministério.

E ainda, proteja seu chamado. De tempos em tempos, volte ao chamado original. Pergunte-se: “estou fazendo aquilo que Deus me chamou para fazer?” “Estou me tornando cada vez mais parecido a Jesus?” “Qual é o fruto das minhas mãos?” A Bíblia diz que seremos conhecidos pelo nosso fruto, não pela nossa atividade ou por uma agenda cheia. Quando eu terminar a minha carreira, o que vou deixar para as outras gerações? Estou investindo em levantar uma geração que vai continuar a obra do Senhor?

Adaptado por Sou da Promessa

Fonte: Instituto Jetro

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