Observem os pássaros, mas cuidado

No Senhor me refugio. Como então vocês podem dizer-me: “Fuja como um pássaro para os montes”? Sl 11.1

É curioso o fato de as Escrituras colocarem os pássaros como exemplo e alerta para os cristãos. O exemplo positivo é bem conhecido, foi o próprio Jesus quem nos ensinou uma bela lição mencionando-os. Em Mateus 6.26 ele diz: “Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas?” Jesus nos ensina, portanto, que quando o nosso coração anda angustiado, o melhor divã é talvez uma área verde onde você possa olhar com atenção um passarinho voando e sendo sustentado pelo Pai. Aliás, Jesus poderia ter se referido a Deus como Criador, mas me parece que ele realmente quis enfatizar o cuidado amoroso e atento de um pai ao seu filho, por isso preferiu “Pai”.

Eu me lembro uma certa vez em que ainda morava na Austrália e meu coração estava um pouco temeroso. Eu saí de casa e fui para o ponto de ônibus esperar a condução que me levaria ao trabalho. Então reparei que havia um pedaço de pão amassado e sujo jogado no meio da avenida movimentada. O que atraiu a minha atenção a esse pedaço de pão foi o voo rasante de um passarinho todo corajoso entre os carros, desejando fazer sua refeição matinal. Naquele exato momento eu lembrei da promessa de Mt 6.26 dizendo que o Pai nos sustenta como sustenta as aves do céu. Eu fiquei pensando de como Deus governou todos os eventos para que aquele pedaço de pão estivesse ali naquela hora, naquele lugar, para que seu passarinho pudesse se alimentar. A pergunta de Jesus é: “Não têm vocês muito mais valor do que os pássaros?”. Claro que sim, somente os seres humanos foram feitos à imagem e semelhança Divina. Então, naquele dia, a criação foi um grande testemunho da providência e cuidado do Pai para mim. Eu acredito que erramos quando não obedecemos às palavras de Jesus: “Observem as aves do céu”. A familiaridade com os passarinhos nos atrapalha.

Por outro lado, a bíblia também usa os pássaros como alerta para nós e o Salmo 11.1 é a prova disso. Nele é dito que, ao observarmos os pássaros, corremos o risco de recorrermos à fuga para os nossos problemas. Você já deve ter visto que qualquer passarinho “bate em retirada” quando o perigo está próximo. Essa também pode ser a nossa tentação, imitarmos eles nesse ato de incredulidade. Portanto, cuidado na sua observação, há exemplos e alertas!

Há um exemplo na própria Escritura para o Salmo 11.1, o evento do Getsemani. O evangelista Lucas é o único que nos dá uma informação mais detalhada do porquê os discípulos dormiram naquele momento de angústia quando deveriam estar orando com Jesus. O texto diz: “Quando se levantou da oração e voltou aos discípulos, encontrou-os dormindo, dominados pela tristeza” (Lucas 22:45). Percebe o que eles fizeram? A tristeza era tanta que preferiram dormir do que enfrentar a dor que estavam sentido. Em outras palavras, recorreram ao escapismo. Dói menos “sonhar” do que encarar a realidade. É melhor não pensar nos seus problemas e fingir que eles não existem. Se você quer ser feliz de verdade, dizem, não pense neles!

Não sejamos tão críticos com esses discípulos, pois nós também agimos assim. Toda vez que você evita pensar ou falar nos seus problemas ou tenta ignorá-los, você também está escolhendo o refúgio do “sono”. Procurar alguém para pedir perdão e se humilhar é muito mais difícil do que dar o sonífero da indiferença à sua consciência. Contar aos parentes o novo diagnóstico é muito mais difícil do que escondê-lo. Evitar de olhar o extrato bancário em épocas de crise financeira nos conforta com uma falsa segurança. Os exemplos poderiam continuar, mas o ponto é que até mesmo os discípulos de Jesus tiveram dificuldades em como lidar com uma situação de crise. Não somos diferentes.

Agora veja, o que o Salmo 11.1 nos diz é que esse foi o conselho que Davi recebeu em sua crise. Davi diz: “Como então vocês podem dizer-me: Fuja como um pássaro?” Esses conselhos nos são dados até hoje. Alguns dizem que o escapismo é a solução para a nossa crise – “se afaste dos seus problemas”. Outros dizem que o otimismo é o melhor caminho – “tudo vai melhorar, pense positivo”. Há também a opção do fatalismo – “o que tiver que ser será”. Poderíamos ainda citar o estoicismo – “domine seus sentimentos ou eles dominaram você”. Esses conselhos sempre estiveram por aí, mas ao invés tratar o nosso coração da maneira adequada, eles adiam os nossos problemas e nos deixam mais angustiados. Então, o que devemos fazer nesses momentos? O mesmo que Davi fez.

Em primeiro lugar ele encarou os fatos: “Vejam! Os ímpios preparam os seus arcos; colocam as flechas contra as cordas para das sombras as atirarem nos retos de coração” (verso 2). Ao invés de recorrer ao sono, Davi nos convida a “vermos” (encararmos) os fatos do jeito que eles são. Jesus mesmo não escondeu a dura realidade perante seus discípulos. Ele disse: “neste mundo vocês terão aflições” (Jo 16.33). Se não dermos um diagnóstico real a nossa doença, não encontraremos o remédio. Eu diria mais: em tempos de crises emocionais, precisamos cavar fundo em nossa alma para acharmos a raiz de tanta angústia e então tratá-la. Quando passamos a superfície, podemos encontrar “medo”, “incredulidade”, “orgulho”, “ira” e outros pecados que estão escondidos por lá. Precisamos lidar de maneira consciente e madura com os problemas que aparecem em nossa volta. Tentar evitá-los não irá resolver muita coisa.

Em segundo lugar ele teve uma perspectiva divina para a sua aflição. Ao falar do SENHOR ele diz que “Seus olhos observam; seus olhos examinam os filhos dos homens. O Senhor prova o justo” (v. 4,5). Pensarmos biblicamente acerca do sofrimento não evita os nossos sofrimentos, mas muda a maneira de sofrermos. Davi percebeu que um dos propósitos divinos para a crise que ele enfrentava era a provação da parte de Deus – “O Senhor prova o justo”. Em outras palavras, assim como aconteceu com Jó, é a provação que revelará a veracidade da nossa fé. O que é maravilhoso de pensar aqui é, que aparentemente Deus está ausente em nossas crises, mas Davi diz que “seus olhos observam e examinam os filhos dos homens”. Ele está presente e ciente do que estamos enfrentando. Como disse Derek Kidner em seu comentário: “a imobilidade divina não é inércia, mas, sim, concentração, e Sua paciência dá uma oportunidade para justos e ímpios igualmente demonstrarem aquilo que são”.

Por último, Davi contemplou o Senhor: “Pois o Senhor é justo, e ama a justiça; os retos verão a sua face” (verso 7). Não devemos somente encarar a realidade, precisamos encarar o Senhor. Precisamos recorrer a ele nesses momentos de angústia antes de qualquer outra opção. A razão pela qual Davi pode dizer no verso 1 “No Senhor me refugio” é explicada no verso 7: ele é “justo”, “ama a justiça” e os “retos verão a sua face”. Davi conhecia o Senhor da maneira que ele se revelou nas Escrituras, e foi por meio desse conhecimento que ele pôde então confiar nele. Grande parte da nossa incredulidade e desesperos em horas de angústia estão no fato de não conhecermos o Senhor. Nós precisamos contemplar o Senhor hoje mesmo através dos “olhos do coração” (Ef 1.18). Precisamos compreender quem ele é e como ele age. Precisamos nos maravilhar com seus atributos, mais do que isso, precisamos nos relacionar com ele por intermédio de Cristo Jesus.

Qual é a sua crise? Já diagnosticou ela? O que a bíblia diz sobre essa situação? Quem é o Senhor para você? Ele está presente ou ausente nisso tudo?

Responder biblicamente à estas questões certamente nos ajudará até mesmo nos piores momentos.

Observem os pássaros, mas cuidado.

Fonte: Voltemos Ao Evangelho

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