Não basta viver mais

A convite de Ultimato, alguns amigos entre 74 e 92 anos falam sobre a família, a solidão, o tempo, a esperança de um novo corpo, os anos de canseira e enfado, a disposição para continuar, as bênçãos.

Cada coisa a seu tempoOdete R. Bontempo

Recado aos jovens

Que eles aproveitem bem a mocidade, mas seguindo exemplos de jovens da Bíblia. E que eles façam o que eles podem fazer. Por exemplo, na igreja em que são os jovens quem dominam os cânticos, acho isso bom porque eles estão mesmo no tempo de cantar. É bom que eles tomem a responsabilidade; e aqueles que são mais fracos devem ser acompanhados pelos mais fortes.

 Recado aos companheiros de velhice

Penso que a pessoa deve viver a época que ela está vivendo e não se preocupar com o que não pode fazer, pois cada coisa tem o seu tempo.

Como me sinto

Considero-me uma pessoa feliz. Olhando para trás, não noto muita diferença. Em cada época temos um modo de vida. Quando eu era mais nova, cuidava das crianças; agora, é bom ver os filhos e netos criados. Sinto-me realizada, porque fui muito abençoada desde nova; os meus planos davam certo, porque Deus os conduzia. Trabalhei no Instituto Bíblico de Patrocínio, MG, onde se preparam obreiros para trabalhar em regiões sem conforto e sem o evangelho. Na igreja eu me envolvia mais com o coral. Eu gostava e ainda gosto muito de cantar. Em toda igreja que trabalhei, eu deixava o coral formado. É natural que aos 92 anos eu esteja mais perto da morte. Não acho que eu chegue aos 100. Estou tranquila porque eu sei em quem eu tenho crido e estou certa de que ele é poderoso para me guardar naquele dia.

 Odete R. Bontempo, 92 anos, quatro filhos, dez netos e seis bisnetos, é viúva do pastor Adão Bontempo há 20 anos e mora em Astorga, PR. Frequenta a Igreja Presbiteriana.

 As bênçãos da longevidade – Ebenézer Soares Ferreira

Recado aos jovens

Sigam o que está escrito em Eclesiastes 12.1: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer”. Também lhes recomendo observar o que está em Levítico 19.32 (ARA): “Diante das cãs te levantarás, e honrarás a presença do ancião e temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor”.

Recado aos companheiros de velhice

Aos idosos que ainda não descobriram como viver cheios de bênçãos, aconselho-os a serem equilibrados, a usarem sempre o “escudo da fé”, a portarem a “espada do Espírito”, a Bíblia, a viverem em amor, a dependerem sempre da maravilhosa graça de Deus e a orarem diariamente, várias vezes, e como fez o salmista: “Agora que estou velho, de cabelos brancos, não me abandones, ó Deus, para que eu possa falar da tua força aos nossos filhos, e do teu poder às futuras gerações” (Sl 71.18, NVI).

Como me sinto

Para uns, a velhice é um sério problema; para outros, é motivo de bênçãos. Para mim, a longevidade é grande dádiva divina. Encaro-a com otimismo. Não me vejo velho porque, dentro de mim, ainda existe a mocidade. Esta não acabou. Ainda sonho em realizar mais para o crescimento do reino de Deus. Ainda tenho muita disposição para pregar e escrever. As bênçãos da longevidade são muitas, entre as quais destaco viver sempre na presença do Senhor, na antecâmara do céu, desfrutando de sua graça, de seu amor e de sua paz, e produzir, ainda, frutos cheios de seiva e verdor, “para proclamar que o Senhor é justo” (Sl 92.15).

Ebenézer Soares Ferreira, 89 anos, quatro filhos e dez netos, casado em segunda núpcias com Noemi Lucília, mora no Rio de Janeiro.  É presidente emérito da Convenção Batista Brasileira e diretor do Seminário Teológico Batista de Niterói e autor de 44 livros, sendo que um deles – O Perfil do Pastor – foi traduzido para o italiano, espanhol e está sendo traduzido para o inglês .

Aguardando a carruagem – Thomas Hahn

Recado aos jovens

Incentivo-os a refletirem mais sobre a vida eterna. Quando me tornei cristão aos 38 anos de idade, centrei-me, primeiro, no fato de que a ressurreição define Jesus como Deus. Em seguida, descobri que minha felicidade em Jesus só se tornaria realidade à medida que eu me deliciasse com as promessas do porvir e que olhar para a cruz como solução de problemas nesta vida me tornaria imensamente infeliz.

 Recado aos companheiros de velhice

A velhice é a última oportunidade para aprender verdades que nos libertam de uma vez por todas e que nos permitem viver em amor uns com os outros. No meu caso, a velhice me fez mais servo do que nunca. Aproveitei esta prorrogação que me foi dada para reafirmar o quanto amo, respeito e admiro minha esposa, meus filhos, genros e nora. Aqui e ali, busco perdão por coisas que fiz ou deixei de fazer. Quando a carruagem passar, subirei mais leve.

 Como me sinto

Recebi muito mais do que mereço; sou feliz. Não estou na terceira, ou na melhor idade. Estou na última. Falo as últimas linhas da peça chamada “Esta Vida”, mas já tenho contrato assinado pelo sangue de Jesus para a próxima, intitulada “Eterna e Perfeita Vida”. Anseio, ardentemente, pelo dia em que receberei um corpo de fazer inveja a qualquer atleta e morarei numa cidade que põe Shangri-la, Paris e o Rio de Janeiro no chinelo. E mais: viverei na presença do meu bom, justo e misericordioso Deus para sempre.

Thomas Hahn, 79 anos, três filhos, nasceu em Viena, Áustria, mas é carioca por formação, casado com Christine, há 51 anos. Congrega na Igreja Batista da Granja Viana, em Cotia, SP.

Seguir a Jesus Cristo envolve coração, cabeça e mãos  – Manfred Grellert

Recado aos jovens

Saibam que nada é mais importante do que estar fascinado com Jesus Cristo como modelo de vida e paradigma de missão. Lembrem-se de que deve haver certo equilíbrio entre espiritualidade, reflexão e ação. Conheçam a história da igreja, especialmente de homens e mulheres que os fascinam. Ordenem seu tempo. Tenham um sábio plano de leituras. Participem de algo significativo para o reino de Deus. Não se levem demasiado a sério. Tenham senso de humor. Construam amizades profundas e duradouras. Busquem formar um grupo de estudos e ação sobre algo relevante.

 Recado aos companheiros de velhice

Usem seu tempo para trabalhos voluntários; façam seus exercícios físicos religiosamente; alimentem suas mentes com boas leituras, algumas desafiadoras; dediquem tempo para a intercessão; compartilhem a história de sua família com as gerações mais novas; aprendam algo novo, que seja desafiador; façam de sua leitura bíblica algo expressivo. Cuidem de flores e de passarinhos. Visitem pessoas necessitadas. Não vejam televisão exageradamente.

 Como me sinto

Sinto-me bem. Não busco gastar muito tempo ruminando sobre o que poderia ter sido. Deus escreve reto nas linhas tortas de nossa vida. E sua graça basta. Vejo-me um cristão buscando seguir a Jesus Cristo. Na década de 70 me dei conta de que Deus tinha muito mais preocupação com o pobre e o oprimido do que a igreja evangélica típica do Brasil. Bastava ler as Escrituras. E conhecer a realidade. Seguir a Jesus Cristo envolve coração, cabeça e mãos. Ou espiritualidade, reflexão e ação. É buscar agir lucidamente na igreja e no mundo, enquanto se busca uma vida indelevelmente marcada pela vida de Jesus, uma vida cristificada. Isto em termos. O velho Adão nunca desaparece totalmente. Nossa vida nunca é uma fórmula matemática simétrica. Todos cometemos erros e acertos. Mas busquei ser em algo semelhante a meu Senhor Jesus.

Aqui cabe uma palavra sobre minha querida família, que amo do coração. Minha companheira de 50 anos, Liane, teve de aprender a ser forte e tomar a frente dos assuntos familiares, enquanto eu visitava regularmente quatorze países da América Latina e do Caribe e todos os continentes. Não há alegria maior do que ver todos seguindo a Jesus Cristo, assumindo sua fé pelo batismo e também servindo meu Senhor na igreja e no mundo. Meus familiares, especialmente netas e netos, são hoje minha maior fonte de alegria.

 Manfred Grellert, 74 anos, quatro filhos, seis netos, nascido em Ijuí, RS, mora atualmente nos Estados Unidos. É casado com Liane Gressler Brenner há 50 anos. Vice-presidente regional da Visão Mundial para a América Latina e Caribe.

Solidão na velhice

Lindolfo Weingärtner

 Não é verdade que a solidão na vida do idoso seja algo inevitável. Mas ela pode marcar presença na vida dele. As mudanças profundas que marcam a nossa época agravam o problema. Os filhos e os netos geralmente passam a viver a quilômetros de distância. Muitos avós moram no seu velho casarão, que se tornou grande demais para eles, ou mudam-se para um apartamento, onde se sentem como passarinhos numa gaiola.

A esta altura devemos dizer alguma coisa em louvor à solidão. Pode ser benéfica para aprendermos a nos sentir felizes, mesmo sozinhos. A vida para muitos de nós foi um contínuo estresse. Essa tensão ininterrupta cessa na velhice. Neste período da vida, dispomos de tempo para meditar acerca do caminho percorrido e sobre o alvo da caminhada, trocar lembranças com nosso parceiro de vida (caso Deus tenha nos dado a graça de viver a velhice a dois), ler um bom livro, visitar um amigo, falar com Deus. Dessa solidão poderão nascer forças e dons que beneficiam a vida. Mas não devemos fechar os olhos para o lado negativo da solidão de pessoas idosas. Um número crescente de mulheres e de homens idosos vive sozinho, sem familiares que cuidem deles.

Podemos ajudar pessoas que sofrem de solidão visitando-as. Não uma visita cerimonial, ditada pelo dever, mas uma visita marcada pelo brilho da alegria e do amor. A pessoa idosa, como qualquer pessoa, sente-se feliz quando se sabe prezada e amada. E é aqui que mora o verdadeiro problema deles. E neste terreno nós, cristãos, conhecemos o segredo de oferecer um presente precioso: uma pitadinha de amor.

E nós, os próprios velhos (esta distinção entre velhos e idosos não passa de sofisma!), podemos contribuir para que a solidão não se torne um fardo para nós: aprofundando-nos na leitura das Escrituras; orando; não abandonando a certeza de que Deus continua tendo uma tarefa para nós; procurando a companhia de outras pessoas, não só de idosos; não permitindo que desapontamentos nos deixem amargurados; perdoando; alegrando-nos com uma visita que recebemos; erguendo pequenos sinais de amor em nosso ambiente; não nos fechando em nós mesmos, mas permanecendo abertos para Deus e para as pessoas e assim alegrando-nos ao pensar no céu e na bem-aventurança eterna.

Fonte: Ensaiando Obediência; breves ensaios sobre a vida cristã. Curitiba: Encontro Publicações, 2010.

 Lindolfo Weingärtner, 92 anos, nasceu em Santa Isabel, hoje município de Águas Mornas, SC. Foi casado com Margarida (falecida em 1989), com quem teve dois filhos, duas filhas e doze netos. É casado, desde 1991, com Erna e reside em Brusque, SC. Foi pastor de igrejas luteranas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul e por uma década professor de teologia em São Leopoldo. Autor de duas dezenas de livros (de poesias, de exposições bíblicas e de um romance).

 Espírito grato para fazer frente aos anos de “canseira e enfado”

C. L. G.

Tenho refletido sobre o tempo em que chegam os anos de “canseira e enfado”, nos quais não se encontra neles contentamento. Como viver esses anos com louvor e gratidão, com dignidade e honrando o Senhor?

Uma querida irmã, que era cheia de vida, mudou consideravelmente depois dos 90 anos (faleceu com 96). Ela, que gostava tanto de ler, ouvir música (era musicista) e cuidar do seu lindo apartamento, foi deixando o gosto de tudo. Com a graça do Senhor faleceu repentinamente em circunstâncias bem felizes.

Eu tive um início da “canseira e enfado”. É quando o contentamento sai pela janela e a depressão tenta entrar pela porta. É extremamente desagradável. É difícil explicar isso a um ginecologista ou cardiologista, mesmo sentindo que é uma questão orgânica, física. Você não quer preocupar os seus queridos e então guarda para si. No meu caso, entendi que se tratava de uma condição emocional a qual enfrentei com a ajuda do Alto e percebi que era resultado das modificações físicas decorrentes da idade. E dessa forma está sendo possível enfrentar a situação, tendo certeza da presença dele.

Considero uma imensa bênção chegar aos 84 anos com vigor físico, mental e espiritual. Só tenho a agradecer ao Senhor. Valorizo a sensibilidade de observar a natureza, ler bons livros, ouvir boa música (que para mim são as clássicas) e, sobretudo, a riqueza que dia a dia encontro na Bíblia, o livro que me acompanha desde a infância e que continua cada vez mais vivo, junto com o meu relacionamento pessoal com o Senhor em oração. Tudo isso preenche o meu tempo com contentamento. Sou feliz porque sou grata. Ao final de cada dia procuro resumir as bênçãos simplesmente reconhecendo o Senhor operando na minha vida. E aí eu me lembro da semana, do mês, dos anos e vejo o somatório do amor de Deus no viver. Costumo lembrar que “eu não sei o que me reserva o futuro, mas eu sei quem reserva esse futuro”.

Sou fruto de um lar genuinamente cristão. O Senhor me deixou solteira e feliz. Fui sempre muito ativa na Igreja. Ainda continuo como pianista auxiliar (naturalmente para hinos históricos), mas já sei que não será por muito tempo. Gozo de um bom relacionamento na Igreja, que, para mim, é realmente uma família. O que peço ao Senhor é uma velhice útil e sem queixas, mas sempre reconhecida e grata pelo que Deus tem feito na minha vida. Estou tentando ser uma intercessora, mas há muito descobri que não é tão simples.

Fonte: Ultimato

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